quarta-feira, maio 28

Suécia 1958: Brasil!!!

Em pé: Djalma Santos, Zito, Bellini, Nilton Santos, Orlando e Gilmar. Agachados: Garrincha, Didi, Gasolina, Vavá e Zagallo. E o inconfundível massagista Mário Américo.
O Brasil vivia dias diferentes. Estava se industrializando, fruto do lema de Juscelino Kubitschek ( melhor presidente de nossa história com 100% de certeza ): 50 anos em 5. Na música já se ouviam os primeiros acordes de Bossa Nova. A TV brasileira começava a tomar espaço que antes era exclusivo do Rádio. Nossa Democracia, então com 13 anos ( Zagallo luta pela vida enquanto escrevo este texto ), parecia duradoura. Enfim, o Brasil crescia e queria aparecer para o mundo.

Após passar vergonha na Suíça e, sobretudo, em uma excursão pela Europa 2 anos antes ( quando um jogador desfilou de toalha pelo saguão do mais luxuoso hotel de Paris ) o recém eleito presidente da CBD ( antecessora da CBF ) João Havelange - sim, ele mesmo - resolveu profissionalizar a Seleção que, a duras penas, iria para os gramados suecos tentar, enfim, vencer uma Copa. Para chefiar a delegação, foi escolhido o paulista Paulo Machado de Carvalho, ligado ao São Paulo. De lá veio também o técnico: o bonachão, e pouco expressivo, Vicente Feola. A Comissão Técnica tinha o básico da época, mas um profissional era diferente e essencial: um psicólogo. Afinal era preciso tratar o tal "complexo de vira-latas", termo cunhado pelo imortal Nelson Rodrigues, segundo quem o brasileiro se achava inferior aos outros. Paulo Machado foi, inclusive, a Suécia 2 meses antes da Copa tratar de detalhes importes, algo nunca feito antes.

Na Suécia 16 seleções iriam estrear, pela terceira Copa seguida ( e quinta vez em seis edições ) um regulamento diferente: 4 grupos de 4 seleções, assim como em 54 na Suíça, mas com uma diferença básica: 3 jogos para todos e 2 se classificariam por chave. Daí para a frente, mata-mata. Formato que vigoraria até a Alemanha 74 e voltaria - para ficar - no México 1986. Por continentes, as seleções participantes, assim estavam distribuídas:
  • América do Sul: Brasil, Argentina e Paraguai ( pela primeira vez, a Celeste ficava de fora de uma Copa que quis participar );
  • América do Norte: México;
  • Europa: Suécia, França, Alemanha, Áustria, Escócia, Irlanda do Norte, Inglaterra, País de Gales, URSS, Tchecoslováquia, Iugoslávia e Hungria.
Essa foi a única Copa na qual as 4 seleções britânicas participaram juntas e por isso a FIFA resolveu colocá-las em grupos separados. Para isso criou outros 3 grupos de 4 seleções: as do leste europeu, as europeias não socialista e as americanas. Assim, cada grupo teve uma nação britânica, uma socialista europeia, uma capitalista europeia  e uma americana. E assim foi feito o sorteio e os grupos ( bem como o desenrolar deles, ficou assim:

  • Grupo A: Alemanha Oriental, Irlanda do Norte ( classificados ), Tchecoslováquia e Argentina. Os argentinos voltavam a jogar uma Copa desde 1934. Poderiam ter ficado em casa. Tomaram a maior goleada deles em Copa dos tchecos ( 6x1 ). A Irlanda do Norte brigou com os tchecos até o fim, tanto que foi preciso uma partida desempate ( mesmo com o saldo superior dos tchecos ). E se classificou ao vencer por 2x1. A atual campeã Alemanha nadou de braçadas;
  • Grupo B: França, Iugoslávia ( classificados ), Paraguai e Escócia. 11 gols em 3 jogos. Esta foi a senha dos franceses, comandados por Kopá e Fontaine. A Iugoslávia superou paraguaios e escoceses e ficou em segundo. Um grupo totalmente sem surpresas;
  • Grupo C: Suécia, País de Gales ( classificados ), Hungria e México. Esqueçam o timaço de 54, ele não mais existia. Em 1957 a maioria deles fugiu quando Moscou invadiu o país. Prova disso foi que os magiares perderam a vaga, em jogo desempate, para o surpreendente País de Gales. Os donos da casa, simplesmente arrasaram a todos.
  • Grupo D: Brasil, URSS ( classificados ), Inglaterra e Áustria. Os russos estreavam em Copas e isso causava todo tipo de conjecturas: de que seriam super atletas, que tinha um futebol científico e de laboratório. Eram tempos da corrida espacial e eles colocaram um satélite em órbita primeiro que os EUA!!!. Tudo passou para a normalidade quando eles empataram com a Inglaterra e vencerem palidamente a decadente seleção austríaca. E serem apresentados a Mané e Pelé. Com a derrota, os russos foram decidir em partida extra contra os ingleses. Venceram por 1x0.
Muitas lendas cercam o Brasil e a Copa. Uma delas dava conta de 5 titulares seriam sempre paulistas e outros 5 cariocas e o 11º seguia um rodízio. Outro é que jogadores de "cor" não rendiam em campo. Verdade ou mentira, o fato é que o time que encarou a Áustria só tinha dois negros: Didi - cujo reserva era Moacir, ainda mais negro que ele - e Joel, ponta-direita do Flamengo. E o time tinha 6 cariocas e 5 paulistas. 3x0. E um lance marcou a partida e alimenta histórias até hoje:


Ao ver Nilton Santos, recentemente falecido, avançar e partir para o ataque ( algo obrigatório hoje em dia, mas raríssimo naquele tempo ), o Técnico Vicente Feola disse "volta, Nilton, volta!!!". Quando o lateral marcou o gol, ele com seu ar de professor vibrou: "boa Nilton".

Mas o time não engrenou e empatou com a Inglaterra em 0x0 e se complicou, passando a ter que vencer a URSS para não depende de resultado algum. E foi ai que outra lenda é citada: Nilton Santos, Didi e Bellini teriam cobrado as entradas de Pelé, Garrincha e Zito nos lugares de Mazzola, Joel e Dino Sani. Muitos negam, outros confirmaram, mas o certo é que eles entraram e o resultado foram os 2 minutos mais espetaculares de uma Copa do Mundo até hoje: atônitos, os russos eram driblados um a um e várias vezes cada por Mané, que meteu uma bola na trave do lendário Lev Iashin. O público nem respirava e não sabia o que pensar. Até que Didi deu um passe perfeito para Vavá abrir o placar. O resto é história...


A concentração da Seleção ficou numa pequena e pacata cidade e sediada no Hotel Hindas, que ficava do lado a pouco mais de 2km onde ficaram os russos. Antes de partirem para seguirem seus caminhos no mundial, as delegações promoveram um encontro entre os times, onde todos ficariam perfilados e depois ocorreria um aperto de mãos. Por uma feliz coincidência, Kuznetsov ficou frente ao fantasma Garrincha. Na hora do aperto de mãos, eis que o russo agarra Mané pela cintura e fica berrando palavras que ninguém entedia. Até que alguém traduziu: "eu não disse, que eu segurava ele, eu não disse?". E todos caíram na gargalhada.

Veio as quartas de final. A França do artilheiro Fontaine destroçou os alegres Irlandeses ( 4x0 ); Os donos da casa eliminaram os já "normais" russos ( 2x0 ); Os campeões do mundiais passaram pela Iugoslávia ( 1x0 ); E o Brasil... sofreu muito para passar pelos galeses por 1x0, gol de... bom, disso todos sabem...

Ainda no chão, Pelé, autor do gol da vitória
As semi-finais oporiam os dois melhores times de um lado ( Brasil da melhor defesa e a França do melhor ataque ), contra a eficiência nórdica e alemã do outro. O Brasil saiu na frente com Vavá aos 2 minutos, mas Fontaine empatou aos 9 minutos. Mestre Didi, com uma brilhante folha seca, desempatou aos 39. E aos 41 o lance que selou a sorte dos franceses: em uma dividida - até  hoje contestada pelos franceses, Vavá quebrou a perna do zagueiro Jonquier. Naquele tempo não eram permitidas substituições  ( só seriam permitidas 12 anos depois, na Copa do México ). Com 11 contra 11 já era complicado para a França, com um a menos, virou covardia. No segundo tempo Pelé fez 3 gols e o Brasil venceu por 5x2. No dia seguinte, o jornal Francês L'Equipe estampou: "Le Roi". E citando que o garoto nem poderia assistir aos filme de Brigitte Bardot. Foi uma sensação. Na outra partida a Suécia virou para cima da Alemanha, fazendo 3x1.

Ai apareceu um problema: os dois times jogavam com camisas amarelas, calções azuis e meias azuis. Alguém teria que usar outra camisa. E ninguém aceitou mudar: a Suécia porque jogava em casa, o Brasil porque não tinha outras camisas!!! No sábado a tarde foi realizado um sorteio e o Brasil perdeu. E logo pensamentos ruins vieram a cabeça de todos, nós que não conseguimos vencer, vamos ter que trocar de camisas, pensaram muitos. Eis que entra o Marechal da Vitória ( termo pelo qual Paulo Machado ficou conhecido após a Copa ) entra com as camisas azuis ( que fora comprar após o sorteio ) e diz: "vamos jogar de AZUL e vamos vencer, pois AZUL é a cor do manto de Nossa Senhora Aparecida". E todos acreditaram. E a comissão técnica passou a noite recortando os emblema da CDB e os números das camisas amarelas e costurando-os nas camisas azuis.

Durante a noite choveu pesado em Estocolmo, local da decisão. E isso favorecia, mesmo que ligeiramente, os donos da casa.Só que num gesto de honradez extremo, os suecos usaram baldes e esponjas e qualquer meio para secar o campo. E assim, aconteceu. O time sueco não era brilhante, mas tinha seus destaques. E era perigoso. E logo aos 4 minutos, Liedholm abriu o placar. Talvez ninguém se percebeu em campo, mas nunca o abridor do placar em finais fora campeão. Mas foi outra coisa que fez o Brasil vencer:


Valdir Pereira, o Mestre Didi, pegou a bola e lentamente caminhou até o meio do campo. No trajeto foi acalmando os companheiros e dizendo: "acabou a brincadeira, vamos jogar". Nem só de gols se vence uma Copa.

O resto foi um baile. Garrincha praticamente faz duas jogadas iguais na ponta direita, e cruza para Vavá virar a partida. No segundo tempo, Pelé marca um dos mais belos gols em copas, o terceiro do Brasil, ao chapelar dois suecos. Zagallo marca o quarto, em jogada de pura raça. Simonsson desconta, mas o destino da partida estava selado. Faltando um minuto, Pelé - o rei - escora cruzamento de Zagallo e marca o quinto gol. O zagueiro sueco disse depois: "tive vontade de abraçá-lo e comemorar".

O Brasil era campeão do mundo. Festa em todos os locais onde um rádio chegasse com seu sinal. O complexo de vira-latas estava enterrado. E um gesto foi imortalizado ( leia matéria sobre Hideraldo Luiz Bllini clicando aqui ):


O Artilheiro


Just Fontaine tem uma marca que sobrevive até hoje: o de maior artilheiro de uma Copa, ao marcar impressionantes 13 gols. Só para comparar, Pelé marcou 12 - portanto, um a menos, em 4 copas  e um total de 14 jogos. Fontaine precisou só de 6. Talvez até fizesse mais, não fosse uma séria contusão que ele sofreu em 1960. Só participou de uma Copa. E assim mesmo se eternizou na história. Quem mais próximo chegou de sua marca nas Copas seguintes, foi o Alemão Gerd Muller em 1970, quando marcou 10 vezes.

E ele ajudou a França a fazer sua melhor campanha até 1986, ao conquistar o terceiro lugar. Mas esta é uma história que ainda vai levar alguns dias...

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