Quando lançada em 1930 a Taça destinada ao campeão da Copa do Mundo, depois batizada em nome do então presidente Jules Rimet, era de posse transitória, passando de campeão para campeão até que alguém fosse tri-campeão. Desde 1950 a Itália poderia conquistá-la em definitivo e a partir de 1954 que o Uruguai passou a buscar tal honraria. Na Inglaterra, o Brasil passou a ter tal direito. E as 3 seleções estariam no México e, caso um deles fosse campeão, a briga seria grande. As chance eram enormes de que Jules Rimet fosse para um delas.
Além disso, Alemães e Ingleses completavam a lista de campeões do mundo presentes na Copa. Com as ausências uruguaias e inglesas nas Copas seguintes, isso pouca vezes se repetiria. Tivemos contudo alguma ausências sentidas: França, Argentina e Espanha, futuras campeãs ficaram de fora. Os nossos maiores rivais perderam a vaga para o time do Peru, treinado por um mítico brasileiro: o Mestre Didi. As seleções presentes ( 16 ), assim estavam divididas por continentes:
- América do Sul: Brasil, Uruguai e Peru;
- América do Norte: México e El Salvador;
- Europa: Itália, Inglaterra, Alemanha Ocidental, Romênia, Tchecoslováquia, Suécia, Bulgária, Bélgica e URSS;
- Africa: Marrocos;
- Ásia: Israel.
Sim amigo leitor, você leu direito: Israel jogou a Copa de 1970. Como o México era o país sede, outra nação do norte e centro da América pode, enfim, participar de uma Copa. E isso gerou uma guerra Honduras e El Salvador!. A FIFA decidiu dar uma vaga para os africanos, corrigindo uma injustiça, e o Marrocos foi o primeiro time do continente a participar e conseguir o primeiro ponto. Feito o sorteio, os grupos ficaram assim e foram decididos:
- Grupo A: URSS, México ( classificados ), Bélgica e El Salvador. O fator casa fez o México passar de fase pela primeira vez. Empate na abertura com os soviéticos e duas vitória deram ao time o segundo lugar, perdendo o primeiro pela saldo de gols. Bélgica e El Salvador foram meros expectadores;
- Grupo B: Itália, Uruguai ( classificados ), Suécia e Israel. A Itália queria apagar os problemas das 4 copas anteriores, quando foi eliminada na primeira fase em todas elas. Para o México eles chegavam com uma grande geração, que vencera a Eurocopa dois anos antes. Mas, para variar, o time sofreu para se classificar: venceu a Suécia na abertura por 1x0, mas empatou os outros 2 jogos por 0x0. Sorte é que Suécia e Uruguai também perderam pontos, e os italianos passaram em primeiro mesmo assim. O Uruguai só se classificou pelo saldo de gols.
- Grupo C: Brasil, Inglaterra ( classificados ), Romênia e Tchecoslováquia. Primeiro grupo da história a ter dois campeões do mundo. Na primeira rodada o Brasil bateu os tchecos por 4x1 e os ingleses suplantaram os romenos ( 1x0 ). E veio uma das melhores partidas, vencida pelo Brasil, por 1x0, gol de Jair, em partida que teve aquela que é considerada a maior defesa de todas as copas, de Gordon Banks, em cabeçada quase perfeita de Pelé. O grupo estava decidido, e o Brasil relaxou contra o Romênia ( 3x2 ), enquanto que os ingleses ao menos passavam de fase, ao bater os tchecos ( 1x0 );
- Grupo D: Alemanha Ocidental, Peru ( classificados ), Marrocos e Bulgária. Os alemães passaram sem sustos, mas a grande surpresa daquele Copa era mesmo o Peru de Téofilo Cubijas, Hector Chumpitaz e Alberto Farinós, que suplantou marroquinos e búlgaros, ficando em segundo.
Esta foi a primeira Copa transmitida via Satélite e a primeiro que os brasileiros puderam assistir ao vivo pela TV. Por conta dos interesses europeus, os horários foram os piores possíveis, com a maioria das partidas acontecendo ao meio-dia do verão mexicano, o que causaria sérios problemas a diversas seleções, sobretudo as europeias.
O Brasil, todos sabem, vivia uma Ditadura Militar no seu pior momento, os chamados "anos de chumbo" e isso influenciou - é claro - a Seleção. O técnico foi trocado em março: saiu o João "sem medo" Saldanha, ligado ao PCB, e entra o - digamos assim - mais neutro Zagallo, que na época era treinador do Botafogo. Saldanha foi proibido até de cobrir o dia-a-dia da Seleção no México, tendo que trabalhar para a BBC de Londres. Zagallo promoveu mudanças na lista final trocando Rildo e Dirceu Lopes e por Marco Antônio e Roberto, atacante do Botafogo. Além disso, mexeu na estrutura do time, tirando Edu (ponta-esquerda do Santos ) e colocando Rivelino no time, para fazer o papel que o próprio "Lobo" fazia em campo. Também escalou Piaza como Zagueiro, barrando Joel Camargo. No mais, era o time de Saldanha, a saber: Félix, Carlos Alberto, Brito, Piaza e Marco Antônio; Clodoaldo, Gérson e Rivelino; Jairzinho, Pelé e Tostão. O detalhe é que os 5 últimos nomes da lista usavam a camisa 10 em seus clubes. Adivinhem quem não teve que mudar o número?
As partidas de quartas-de-final foram cheias de emoção: Em León, os alemães se vingaram da Inglaterra, ao vencer por 3x2, com gol de Muller na prorrogação; Em Toluca, 27mil mexicanos saíram desapontados quando o time deles perdeu por 4x1, após abrirem o placar, mas um gol contra e dois gols de Gigi Riva ( e mais um de Rivera ) mantiveram os italianos na Copa; Na Cidade do México, o estádio Asteca viu a Celeste suplantar os russos por 1x0, na prorrogação; E em Guadalajara... o Brasil passou por cima do Peru, de um Didi que cantou o Hino Brasileiro!!! 4x2, com os únicos 2 gols de Tostão naquela Copa. Jair seguia como o único a marcar em todas as partidas.
Nas semi-finais, dois duelos épicos e entre rivais continentais: Brasil x Uruguai, no estádio Jalisco de Guadalajara, e Itália x Alemanha no Asteca. E os fantasmas de 1950 voltaram com força, praticamente só se falava disso na imprensa brasileira. E eles ganharam ares de tragédia quando Cubillas chutou fraco e Félix aceitou... tragédia, mística uruguaia, vexame foram palavras que passaram pela cabeça dos torcedores e creio eu até de jogadores. Em jogada espetacular de Tostão, Clodoaldo empata ao fim do primeiro tempo. Com certeza seria bem duro de se recuperar caso o time fosse pro vestiário perdendo. Na volta, com calma e muito futebol, a categoria de nossos craques se impôs e o Brasil iria para a final. A quarta em seis copas, maior marca até então. Na outra partida...
Beckenbauer com sua clavícula sendo imobilizada: uma das imagens imortais da história das Copas |
foram 120 minutos inesquecíveis e sofridos. Os italianos venciam desde os 7 minutos de jogo ( gol de Boninsegna ), quando nos acréscimos Schnellinger empata. Prorrogação num calor de 36º para duas seleções europeias. Além disso, o Kaiser Beckenbauer foi para o sacrifício, ao ter deslocado a clavícula, mas ficar em campo. Contudo, ele apenas andava em campo e pouco fez. Muller virou, a Itália virou de novo, Muller empatou novamente. Tudo isso em impressionantes 20 minutos!!! Mas faltando 8 minutos, Rivera ( imagem abaixo ) deu o golpe de misericórdia e coloca os italianos de volta numa final desde 1938. Na decisão do terceiro lugar, os alemães bateram o Uruguai por 1x0, gol de Overath
o lance que decide o maior jogo da história das copas... Beckenbauer mal consegue andar Maier lamenta não ter feito a defesa... |
E veio a final. Neste momento o México inteiro torcia pelo Brasil e seu futebol alegre e ofensivo. Pelé poderia ser facilmente eleito presidente, caso fosse candidato. Rivelino era a "patada atômica", enquanto que Jairzinho era o "furacão da copa". Os italianos, exausto após a batalha 4 dias antes, entraram em campo buscando a superação, para vencer aquela tida melhor seleção da Copa. E que estava a 90 minutos de se tornar a melhor de todos os tempos.
O jogo começa equilibrado, com cadência dos dois lados. O Brasil tinha mais preparo físico e isso ficaria claro no segundo tempo, onde normalmente o time sobrava. Aos 18 minutos, em cruzamento da esquerda, Pelé sobe e abre o placar. E a maldição, abateria também este timaço? Lembrando que em todas as finais anteriores, quem marcou primeiro terminou derrotado. Pelé, claro, comemorou muito...
Tempo para uma historinha, antes do empate dos italianos: o repórteres de Brasília queria saber qual era o palpite do Presidente Médici para a final e usaram o filho mais velho dele para descobrir. Ao ser questionado, o presidente disse, firme: 4x1. O filho falo que era sério e o pai retrucou: 4x1. Deixemos o assassino de lado e voltemos para final. Aos 37 minutos Clodoaldo - que fazia uma Copa próxima da perfeição, resolve enfeitar um lance fácil ao tentar um calcanhar. Resultado? Gol de Boninsegna. Depois da partida, Corró diria que fez aquilo para fazer o presidente acertar. Piada, é claro.
Pelé ainda marcaria outro gol, mas o juiz Glockner já tinha terminado a partida. No segundo tempo os 30 minutos a mais pesaram contra a Itália: aos 20 Gérson aproveita sobra de lance de Jairzinho, finta um marcado e desfere um tiro mortal contra Albertosi: 2x1. Daí para frente, a Itália passou ao posto de observador da consagração de uma equipe maravilhosa. 5 minutos depois, Gérson faz um espetacular lançamento com sua "canhotinha de ouro", Pelé escora e Jairzinho tromba com Fachetti e a bola entra, 3x1 Brasil. Jairzinho torna-se, com este gol, o único brasileiro a marcar gols em todas as partidas de uma Copa em que o Brasil tenha feito mais de duas partidas.
Mas ainda faltava o golpe final: aos 41 Clodoaldo dribla vários italianos e toca para Rivelino, que lança Jairzinho pela esquerda, que toca para Pelé, que rola a bola para Carlos Aberto que vem a voando pela ponta direita e fuzila Albertosi. Acabou 4x1, o show do melhor time das Copas. Ao menos daqueles que venceram.
Veio o fim da partida, a invasão, Pelé e Tostão quase ficam nus, Rivelino passa mal... os mexicanos fizeram a maior festa da história de uma final de Copa. Até hoje!!! E o capitão Carlos Alberto teve a honra de ser o último jogador a levantar a Jules Rimet. Que seria roubada da sede da CBF em 1983 e... bom, isto é outra história.
O Artilheiro
Baixo para os padrões alemães, Gerd Mueller foi um dos maiores atacantes de todos os tempos. Só o fato de ter feito 14 gols nas duas Copas que jogou já dão uma ideia de seu apurado faro de gol. Artilheiro nato, Mueller ainda tem mais um feito: marcou o gol de dois títulos da Alemanha, ao decidir na Eurocopa de 1972 e na Copa de 74.
Em 1970, Mueller quase colocava sua seleção na final. Faltou pouco, mas gols não. Foram nada menos que 10 em solo asteca. A marca só é menor do que os 13 de Just Fontaine ( 1958 na Suécia ) e os 11 ( 1954 na Suíça ). Depois dele, ninguém nem chegou perto. Ele marcou gols em todas as partidas da Copa, menos na decisão do terceiro lugar, quando quem fez o gol foi de Overath.
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